segunda-feira, 1 de abril de 2013

Silêncio


Ela olhava para o mar, deitada na velha espreguiçadeira da sacada, o livro aberto ainda na primeira página.
Há dias que as ondas faziam barulhos mais altos. Iam mais longe, deixando marcas pesadas na areia. Barulhento e pesado estava também seu coração: “posso senti-lo batendo dentro de mim”, ela dizia ao médico, desejando que ele pudesse lhe explicar o porquê.
Na volta para a casa, todas as noites, ela passava pelos jardins do vizinho, admirando as árvores compridas e cheias, contando um pouco da vida de quem vivia ali.
Em seu próprio jardim, o vazio. Esse mesmo que tomava conta também da cozinha, da sala e da cama. Ele insistia em continuar vivendo ali. Mas ESTAR ali era uma coisa que, ambos sabiam, já não era possível.
O silêncio envolvia a casa toda. Por erro de cálculo, às vezes, os olhares se cruzavam e a sensação de estranheza avisava do perigo eminente. 
Os porta-retratos agora pareciam guardar imagens alheias. Olhá-los era uma tortura pela qual nenhum dos dois se atrevia a passar. Mas a cada passagem pela casa, eles lhes lembravam de um tempo que fazia questão de insistir em doer.
O relógio, antes não notado, ofuscado e oprimido em meio aos sorrisos, agora marcava os segundos com uma dura precisão. A cada batida, a certeza de que tudo que foi, não volta mais.
Os dias corriam enquanto os dois assistiam à vida esvair-se pelos vãos.
Tantos desejos ...

Ela tinha medo de perguntar-se em voz alta, e era óbvio que ele também. Por isso, a ausência da palavra. "Aquilo que não é dito, ainda não é de verdade", pensavam os dois juntos, mas separados.
“O que é que ainda nos mantém aqui?”

O fio que entrelaça as pessoas tem muitos nomes. Frágil ou não, ele sabe como amarrar-se indefinidamente, até que alguém puxe uma das pontas. Ambos sabiam que não puxariam, não poderiam.
A casa, antes membro do triângulo perfeito, agora desmontava-se em partes dolorosamente esquecidas.

Tudo que era óbvio se foi.

“É preciso revestir-se de vida ou a vida periga morrer no silêncio”, ela pensava, enquanto olhava o mar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário