Ela olhava para o mar, deitada na velha espreguiçadeira da sacada, o livro aberto ainda na primeira página.
Há dias que as ondas faziam barulhos mais altos. Iam mais longe, deixando marcas pesadas na areia. Barulhento e pesado estava
também seu coração: “posso senti-lo batendo dentro de mim”, ela dizia ao médico,
desejando que ele pudesse lhe explicar o porquê.
Na volta para a casa, todas as noites, ela passava pelos
jardins do vizinho, admirando as árvores compridas e cheias, contando um pouco
da vida de quem vivia ali.
Em seu próprio jardim, o vazio. Esse mesmo que
tomava conta também da cozinha, da sala e da cama. Ele insistia em continuar
vivendo ali. Mas ESTAR ali era uma coisa que, ambos sabiam, já não era
possível.
O silêncio envolvia a casa toda. Por erro de cálculo, às
vezes, os olhares se cruzavam e a sensação de estranheza avisava do perigo eminente.
Os porta-retratos agora pareciam guardar imagens alheias.
Olhá-los era uma tortura pela qual nenhum dos dois se atrevia a passar. Mas a
cada passagem pela casa, eles lhes lembravam de um tempo que fazia questão de
insistir em doer.
O relógio, antes não notado, ofuscado e oprimido em
meio aos sorrisos, agora marcava os segundos com uma dura precisão. A cada
batida, a certeza de que tudo que foi, não volta mais.
Os dias corriam enquanto os dois assistiam à vida esvair-se
pelos vãos.
Tantos desejos ...
Tantos desejos ...
Ela tinha medo de perguntar-se em voz alta, e era óbvio que
ele também. Por isso, a ausência da palavra. "Aquilo que não é dito, ainda não é
de verdade", pensavam os dois juntos, mas separados.
“O que é que ainda nos mantém aqui?”
“O que é que ainda nos mantém aqui?”
O fio que entrelaça as pessoas tem muitos nomes. Frágil ou não,
ele sabe como amarrar-se indefinidamente, até que alguém puxe uma das pontas. Ambos
sabiam que não puxariam, não poderiam.
A casa, antes membro do triângulo perfeito, agora
desmontava-se em partes dolorosamente esquecidas.
Tudo que era óbvio se foi.
Tudo que era óbvio se foi.
“É preciso revestir-se de vida ou a vida periga morrer no
silêncio”, ela pensava, enquanto olhava o mar.
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