segunda-feira, 22 de abril de 2013

Felicidade(ina)


Passando pelas redes sociais, acho graça como a felicidade das pessoas é constante e genuína. Ficam de fora os conflitos, as dores, os ódios e as infelicidades. Tudo bem, ninguém precisa, realmente, anunciar que a tristeza chegou, mas porque a felicidade me parece tão obrigatória?
É preciso ser feliz!! Na constituição americana está claro: todo cidadão tem direito à felicidade.
Assim como ele tem direito à liberdade de expressão, à saúde pública, ao ensino gratuito, ser feliz também é direito e deve ser cumprido (por quem?).

No mesmo cenário, crianças devoradoras de hambúrguer, para ou pelas quais me pergunto: elas têm fome de quê? A depressão camuflada atrás da fluoxetina, a síndrome do pânico disseminada, o TDAH como regra, bipolaridade. A última é a do autismo que, segundo pesquisas, atinge uma parcela assustadora e o pior, a tendência é aumentar. Mas tudo bem, afinal de contas, não há problema para o qual o americano não encontre solução. ”Vamos medicar as crianças assim que vierem ao mundo. Medicamos a criança para evitar o autismo e, aproveitando o embalo, medicamos também as mães, evitando a depressão pós-parto”.

Isso tudo me lembra meu estágio obrigatório da faculdade em hospital psiquiátrico. A ala feminina que, na hora dos exercícios físicos, me explicava: “veja, aqui é muito fácil dividir os times. Temos o lado das bipolares e o lado das depressivas”. Elas achavam graça e eu entendia, pois era o único lugar que lhes restara. Me lembro também de um paciente recém chegado, internado por conta de uma crise de ansiedade. Ele dizia que devia mesmo estar depressivo, chorando feito “louco” pelos cantos. Descrevia seus dois dias de internamento, com todos os remédios, a comida sem sal, a ausência da família, a loucura por todos os lados: “É, acho que você seria mesmo louco se não estivesse chorando”, escapou do meu discurso ensaiado.

A onda vem dos Estados Unidos e não há como negar. O perigoso é o quão rápido e intensamente nós estamos embarcando nela.
A felicidade não é um direito, e sim uma conseqüência. E, sobre ela, age a responsabilidade de cada um por cada uma de suas escolhas. Isso é verdadeiro e não há outro caminho. Então, onde é que isso se perdeu?
Ora, se a felicidade é uma conseqüência daquilo que escolhemos fazer e da forma como encaramos as coisas, ela só pode ser transitória, pois somos seres marcados pela falta e, portanto, errantes. Isso significa que, entre um estado de alegria e outro, há também a tristeza. E quem sabe quanto tempo uma tristeza pode durar? Certa vez, ao ver uma paciente chorando a doença de seu filho, eu tive o impulso de dizer-lhe alguma coisa, qualquer coisa que aliviasse sua dor insuportável. É claro que não o segui, pois imediatamente eu me corrigi: sou eu quem não consegue vê-la chorar. Meu trabalho, em muitos casos, é permitir que as lágrimas escorram, que a raiva arrebente, que o luto se faça. Há coisas na vida para as quais não existem metáforas ou remédios. O silêncio mesmo, é que pode fazer sentido quando as respostas já não são suficientes. Eu digo que a insuficiência é a palavra da vez. Nada mais é suficiente pra ninguém. É preciso ser feliz, realizado, bem sucedido. O tempo corre e não se pode errar. É a era da agilidade, da precisão, da genialidade. E, se para isso, for preciso pagar a conta dos remédios controlados, tudo bem, afinal de contas, mais do que tudo, é a Era da Felicidade. 

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