Tenho visto, frequentemente, o termo "maturidade" sendo usado para definir o nível de evolução de cada um. Para isso, ditam-se quais os tipos de atitude que as pessoas devem ter frente às situações.
Eu confesso que, fora do consultório, também já me surpreendi fazendo relações entre a idade cronológica e as supostas respostas "certas" para cada fase da vida.
Mas que parâmetros são esses que estamos usando?
De onde vêm as definições que estabelecemos e porquê elas são tão rígidas?
A maturidade pode ter a ver com o equilíbrio, mas mesmo as pessoas mais equilibradas podem desestabilizar-se, já que a vida está mais para uma corda bamba que para uma corda fixa.
Antigamente, existiam inúmeros rituais para marcar a passagem de uma fase para a outra. Alguns deles sobreviveram e estão sempre acontecendo à nossa volta. Como o casamento, por exemplo. Ainda assim, justifica-se a maioria dos divórcios sob a idéia de que um dos parceiros ou ambos não estavam preparados. Por isso, ainda que uma mulher seja casada e tenha filhos, pode ser considerada infantil. Ou homem de 50 anos, que seja bem sucedido e tenha constituído família, pode ser, por dentro, nada mais que uma criança carente e assustada.
O que marca o desenvolvimento humano não tem nada a ver com idade, QI ou capacidade. Tem a ver com a história de vida que só pode ser contada por quem a viveu. Tem a ver com as dores do passado e com os segredos que adormecem desconhecidos no mais profundo do nosso próprio oceano.
Se é necessário definir, para mim, então, a maturidade tem a ver com a coragem. A coragem de aceitar-se como é não mais viver sob o peso das palavras recalcadas. Talvez a maturidade venha da mais absoluta força que pode haver no ser humano: reconhecer suas próprias fraquezas, não mais projetando-as nos outros, e tomar o caminho mais difícil de todos, a análise.
O relógio da psicanálise é outro. E me ensina todos os dias que a única forma verdadeira de entender o outro é aceitando que, para cada um de nós, há um tempo diferente e cada um é exatamente do jeito que consegue ser.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
quinta-feira, 23 de maio de 2013
Como (não) criar filhos felizes
Passando pela livraria, sem querer (mesmo) esbarrei na sessão de auto ajuda e me deparei com o seguinte título: "Como criar filhos felizes e obedientes?" Não acreditei. Mas não pára por aí, a lista de manuais continua. Cada um para um tipo de filho: inteligente, bem sucedido, basta escolher o seu. E o melhor, tudo pela bagatela de 49,90. Não é fantástico?
Não, não é!
Eu sabia que existiam as cartilhas de "como fazer" com o chefe, com o namorado, com a ex mulher ... mas não imaginava que agora os pais também tinham esse privilégio. Honestamente, não consigo entender como um psicólogo pode escrever isso e uma editora pode publicar.
Mas o questionamento vai além. Eu me pergunto o que esperar da geração que vem aí para ser objeto de estudo prático dos pais. Como será que funciona? Tentativa e erro?
O que esperar de uma geração filha de pais que não sabem mais seguir instintos? Que precisam recorrer aos livros pra tomar uma decisão a respeito de seus próprios filhos? Pais que investem tanto dinheiro em livros, escolas, tecnologia, mas investem tão pouco em desejo?
Todos os dias eu vejo crianças tornarem-se objetos do sucesso pessoal de seus pais. Eu me lembro de, quando pequena, disputar com meus colegas quem tinha o pai mais forte. Hoje, a disputa é inversa. Nas reuniões escolares, os filhos são os novos troféus. Os pais são ótimos em exibir o filho ao mundo, mas são péssimos em abraçar. É a mecanização do amor. E então eu me deparo com crianças cheias de sintomas, ocupadas demais em corresponder às impossíveis expectativas que se colocam sobre elas. Ocupadas demais inclusive para serem crianças.
Nenhum filho jamais deve vir para preencher um lugar tão sufocante.
Sou obrigada a recorrer à minha discussão de sempre: porquê a obsessão com a perfeição? O que há de errado com os bons e velhos erros dos pais que dão aos filhos humanidade e tolerância à frustração? Pais perfeitos acabam criando pobres criaturas que, mesmo adultas, passarão suas vidas buscando a aprovação daqueles para quem nada nunca é suficientemente bom. Não é triste demais?
Crianças não precisam de perfeicão. Precisam de pais felizes.
Felizes, presentes e castrados. E que possam cometer erros em nome do amor.
Não, não é!
Eu sabia que existiam as cartilhas de "como fazer" com o chefe, com o namorado, com a ex mulher ... mas não imaginava que agora os pais também tinham esse privilégio. Honestamente, não consigo entender como um psicólogo pode escrever isso e uma editora pode publicar.
Mas o questionamento vai além. Eu me pergunto o que esperar da geração que vem aí para ser objeto de estudo prático dos pais. Como será que funciona? Tentativa e erro?
O que esperar de uma geração filha de pais que não sabem mais seguir instintos? Que precisam recorrer aos livros pra tomar uma decisão a respeito de seus próprios filhos? Pais que investem tanto dinheiro em livros, escolas, tecnologia, mas investem tão pouco em desejo?
Todos os dias eu vejo crianças tornarem-se objetos do sucesso pessoal de seus pais. Eu me lembro de, quando pequena, disputar com meus colegas quem tinha o pai mais forte. Hoje, a disputa é inversa. Nas reuniões escolares, os filhos são os novos troféus. Os pais são ótimos em exibir o filho ao mundo, mas são péssimos em abraçar. É a mecanização do amor. E então eu me deparo com crianças cheias de sintomas, ocupadas demais em corresponder às impossíveis expectativas que se colocam sobre elas. Ocupadas demais inclusive para serem crianças.
Nenhum filho jamais deve vir para preencher um lugar tão sufocante.
Sou obrigada a recorrer à minha discussão de sempre: porquê a obsessão com a perfeição? O que há de errado com os bons e velhos erros dos pais que dão aos filhos humanidade e tolerância à frustração? Pais perfeitos acabam criando pobres criaturas que, mesmo adultas, passarão suas vidas buscando a aprovação daqueles para quem nada nunca é suficientemente bom. Não é triste demais?
Crianças não precisam de perfeicão. Precisam de pais felizes.
Felizes, presentes e castrados. E que possam cometer erros em nome do amor.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Felicidade(ina)
Passando pelas redes sociais, acho graça como a felicidade
das pessoas é constante e genuína. Ficam de fora os conflitos, as dores, os
ódios e as infelicidades. Tudo bem, ninguém precisa, realmente, anunciar que a
tristeza chegou, mas porque a felicidade me parece tão obrigatória?
É preciso
ser feliz!! Na constituição americana está claro: todo cidadão tem direito à
felicidade.
Assim como ele tem direito à liberdade de expressão, à saúde
pública, ao ensino gratuito, ser feliz também é direito e deve ser cumprido
(por quem?).
No mesmo cenário, crianças devoradoras de hambúrguer, para
ou pelas quais me pergunto: elas têm fome de quê? A depressão camuflada atrás
da fluoxetina, a síndrome do pânico disseminada, o TDAH como regra,
bipolaridade. A última é a do autismo que, segundo pesquisas, atinge uma
parcela assustadora e o pior, a tendência é aumentar. Mas tudo bem, afinal de
contas, não há problema para o qual o americano não encontre solução. ”Vamos
medicar as crianças assim que vierem ao mundo. Medicamos a criança para evitar
o autismo e, aproveitando o embalo, medicamos também as mães, evitando a
depressão pós-parto”.
Isso tudo me lembra meu estágio obrigatório da faculdade em
hospital psiquiátrico. A ala feminina que, na hora dos exercícios físicos, me
explicava: “veja, aqui é muito fácil dividir os times. Temos o lado das
bipolares e o lado das depressivas”. Elas achavam graça e eu entendia, pois era
o único lugar que lhes restara. Me lembro também de um paciente recém chegado,
internado por conta de uma crise de ansiedade. Ele dizia que devia mesmo estar
depressivo, chorando feito “louco” pelos cantos. Descrevia seus dois dias de
internamento, com todos os remédios, a comida sem sal, a ausência da família, a
loucura por todos os lados: “É, acho que você seria mesmo louco se não
estivesse chorando”, escapou do meu discurso ensaiado.
A onda vem dos Estados Unidos e não há como negar. O
perigoso é o quão rápido e intensamente nós estamos embarcando nela.
A felicidade não é um direito, e sim uma conseqüência. E,
sobre ela, age a responsabilidade de cada um por cada uma de suas escolhas.
Isso é verdadeiro e não há outro caminho. Então, onde é que isso se perdeu?
Ora, se a felicidade é uma conseqüência daquilo que
escolhemos fazer e da forma como encaramos as coisas, ela só pode ser transitória,
pois somos seres marcados pela falta e, portanto, errantes. Isso significa que,
entre um estado de alegria e outro, há também a tristeza. E quem sabe quanto
tempo uma tristeza pode durar? Certa vez, ao ver uma paciente chorando a doença
de seu filho, eu tive o impulso de dizer-lhe alguma coisa, qualquer coisa que aliviasse sua dor insuportável. É claro que não o
segui, pois imediatamente eu me corrigi: sou eu quem não consegue vê-la chorar.
Meu trabalho, em muitos casos, é permitir que as lágrimas escorram, que a raiva
arrebente, que o luto se faça. Há coisas na vida para as quais não existem
metáforas ou remédios. O silêncio mesmo, é que pode fazer sentido quando as respostas já não são suficientes. Eu digo que a insuficiência
é a palavra da vez. Nada mais é suficiente pra ninguém. É preciso ser feliz,
realizado, bem sucedido. O tempo corre e não se pode errar. É a era da agilidade,
da precisão, da genialidade. E, se para isso, for preciso pagar a conta dos
remédios controlados, tudo bem, afinal de contas, mais do que tudo, é a Era da
Felicidade.
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Silêncio
Ela olhava para o mar, deitada na velha espreguiçadeira da sacada, o livro aberto ainda na primeira página.
Há dias que as ondas faziam barulhos mais altos. Iam mais longe, deixando marcas pesadas na areia. Barulhento e pesado estava
também seu coração: “posso senti-lo batendo dentro de mim”, ela dizia ao médico,
desejando que ele pudesse lhe explicar o porquê.
Na volta para a casa, todas as noites, ela passava pelos
jardins do vizinho, admirando as árvores compridas e cheias, contando um pouco
da vida de quem vivia ali.
Em seu próprio jardim, o vazio. Esse mesmo que
tomava conta também da cozinha, da sala e da cama. Ele insistia em continuar
vivendo ali. Mas ESTAR ali era uma coisa que, ambos sabiam, já não era
possível.
O silêncio envolvia a casa toda. Por erro de cálculo, às
vezes, os olhares se cruzavam e a sensação de estranheza avisava do perigo eminente.
Os porta-retratos agora pareciam guardar imagens alheias.
Olhá-los era uma tortura pela qual nenhum dos dois se atrevia a passar. Mas a
cada passagem pela casa, eles lhes lembravam de um tempo que fazia questão de
insistir em doer.
O relógio, antes não notado, ofuscado e oprimido em
meio aos sorrisos, agora marcava os segundos com uma dura precisão. A cada
batida, a certeza de que tudo que foi, não volta mais.
Os dias corriam enquanto os dois assistiam à vida esvair-se
pelos vãos.
Tantos desejos ...
Tantos desejos ...
Ela tinha medo de perguntar-se em voz alta, e era óbvio que
ele também. Por isso, a ausência da palavra. "Aquilo que não é dito, ainda não é
de verdade", pensavam os dois juntos, mas separados.
“O que é que ainda nos mantém aqui?”
“O que é que ainda nos mantém aqui?”
O fio que entrelaça as pessoas tem muitos nomes. Frágil ou não,
ele sabe como amarrar-se indefinidamente, até que alguém puxe uma das pontas. Ambos
sabiam que não puxariam, não poderiam.
A casa, antes membro do triângulo perfeito, agora
desmontava-se em partes dolorosamente esquecidas.
Tudo que era óbvio se foi.
Tudo que era óbvio se foi.
“É preciso revestir-se de vida ou a vida periga morrer no
silêncio”, ela pensava, enquanto olhava o mar.
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