Ele olhava para ela, inocente, lembrando de como era seu rosto no passado. Os porta retratos espalhados pela casa denunciavam a passagem do tempo. Mais de 80 anos ...
Nos cabelos brancos dela, ele ainda podia ver o brilho do loiro dourado que cheirava a jasmim. Ela tinha o cabelo quase na cintura e ele se apaixonava por ela cada vez que ela segurava aquele cabelo volumoso, entrelaçando os dedos com agilidade e fazendo um coque. Sem grampos, sem nada. Era uma das coisas que ela fazia e que ele não podia entender ... Parecia mágica.
Quando nasceu o primeiro filho, ela precisou cortar o cabelo. Não conseguia cuidar do bebê com aquele cabelo enorme caindo nos ombros. O corte era a moda da época, modelo chanel. Ela ficou linda, parecia mais sábia e madura.
Anos depois, quando ela precisou desfazer-se do cabelo todo, ele também estava lá, segurando sua mão enquanto as mechas douradas soltavam-se dela, dia após dia, como se não lhe pertencessem mais. Então ela amarrava lenços na cabeça. Eram coloridos e muito compridos, as pontas caiam pelos ombros e ficavam na altura dos seios. Foi uma batalha que ela venceu com a delicadeza desse tipo de mágica que ela dominava.
Agora, ali estava ela, tão pequena e frágil. Os cabelos ralos já não diziam de uma luta. Eles não tinham ido embora por um tempo, eles quase não existiam mais. Era o fim.
As mãos enrugadas e cheias de manchas, que ele infinitas vezes tinha segurado, como num passo de valsa pela vida ... As mãos dela que tantas ceias de natal tinham proporcionado a ele, com a família em volta da mesa. Família que fora ela, também, quem lhe dera de presente. Ele nunca pediu nada durante a vida toda. E mesmo assim, ela lhe deu tudo.
E agora o tempo era marcado pela batida do monitor cardíaco. Ela estava prestes a morrer. E ele sabia que não tardaria muito, seguiria o caminho da esposa. Não porque ele estivesse doente ou fraco, nem porque a vida não pudesse mais ter sentido quando ela se fosse. Mas porque eles se haviam condenado, por escolha e por amor, a ficar juntos para sempre.
Mas antes disso, ele ainda podia estar ali, ao lado dela.
Olhando-a, ele pensou que ela não tinha mais aqueles lindos olhos curiosos abertos, nem os cabelos dourados, nem o corpo bonito de moça. Ela não tinha mais nem as palavras proferidas pela voz doce e firme. E, ainda assim, ele não conseguia deixar de olhá-la.
Pensou, então, que essa devia ser mais uma dessas mágicas que ela fazia e que ele sempre sentiu, mas jamais pôde entender.
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