Ontem eu fui surpreendida em uma simples viagem. Vinha
de Curitiba a Maringá a trabalho e, claro, também aproveitava para abraçar
minha amada mãe no seu dia. Confesso que nunca gostei muito de viajar de avião
porque tenho preguiça daquele ritual todo “fazer a mala, carregar a mala pelo
elevador, ir até o aeroporto, fazer o check-in, ir para a sala de embarque,
trocar de portão, aguardar na fila para entrar no avião, arrumar a bagagem de
mão nos compartimentos, colocar o cinto de segurança, “ai, esqueci de desligar
o celular”, levantar, sentar de novo. “Ai, esqueci de pegar o livro”... tudo
isso ida e volta!!
Pra ajudar, ontem também não era um dos meus melhores
dias. Eu estava triste, cansada, com a sensação de que nada estava no lugar
certo.
Já sentada na minha poltrona, abri meu livro e
comecei a ler as primeiras páginas, pois tinha acabado de comprá-lo. Mas, como
ainda não conhecia muito bem a narrativa, não consegui me concentrar. Li mais
ou menos umas 20 vezes o mesmo parágrafo quando, finalmente, desisti e liguei a
televisão. Na SKY da Azul, encontrei o canal próprio da companhia, um canal de
música adolescente, esportes e, quando estava quase desistindo da televisão e
pensando em dormir, achei um canal infantil que passava um desenho dos Flintstones.
Sem que eu pudesse perceber, eu sorri.
O desenho mostrava o dilema de Fred que, ou agradava
Vilma indo a um baile dançar, ou mantinha a imagem de machão aos amigos, afinal
de contas, homem não dança. Fred acaba decidindo que sua mulher é mais
importante e deixa que Barney lhe ensine Ballet, quando todos os homens da
cidade o surpreendem de “tutu” e ele precisa se esconder atrás da moita. Delicadamente,
Vilma acaba lhe explicando que homem mesmo é aquele que não tem medo de perder
sua virilidade, pois ela nada tem a ver com a roupa que usa.
Vendo Fred dançar ballet, eu dei gargalhadas.
Provavelmente, por estar usando fones de ouvido, devo ter feito barulho e as
pessoas, com certeza, me olharam. Eu não me preocupei. Na verdade, não me lembrei
que havia pessoas. Até que a comissária de bordo se abaixou um pouco pra falar
comigo e eu tirei os fones pra ouvi-la perguntar se desejava beber alguma
coisa. Pedi suco de laranja, enquanto ainda mantinha o sorriso no rosto por
causa do Fred Flintstone.
Ela olhou para a televisão e me disse: “Ah! Os Flintstones!
Eu adorava quando era criança. Era a única coisa que me fazia comer arroz e
feijão”.
Foi aí que eu me dei conta. Nós não temos muitos
momentos como esses na vida, pois ela é tão desenfreada, que acaba engolindo nosso
senso de humor, inocência e a habilidade de rir de qualquer coisa sem se
preocupar se isso faz parte da lista de comportamentos que passam
despercebidos. Porque é exatamente isso que nós buscamos. As roupas certas, os
empregos promissores, as companhias adequadas, os modos ajustados. Nós vivemos
trilhando um caminho onde o legal é ser apropriado.
Mas o que é ser apropriado? Porque o adolescente de
cabelos moicanos, roupas coloridas e maquiagem azul não é apropriado? Porque a
mulher de 42 anos que trabalha viajando, decidiu não ter filhos e nunca esperou
o príncipe encantado é vista como fracassada? O que há de errado com aquele cara
que preferiu, apesar de todo seu dinheiro e inteligência, trancar a faculdade
de medicina e ensinar música às crianças? E aquela moça que não se importa com
o seu peso e não, não acha feio ser gordinha?
Nós fazemos esses julgamentos todos os dias.
E o motivo é apenas um. Existe, dentro de nós, mesmo
que desconhecidos, pedacinhos de cada uma das pessoas que a gente aprendeu a
julgar. A maioria das coisas que nós apontamos é a projeção de uma parte nossa com
a qual não queremos ou não podemos conviver.
Imagine só tirar o terno preto e colocar as roupas
mais coloridas do armário sem se incomodar com os olhares furtivos, pois aquilo
faz parte de quem você é. Tem algo nesse jeito de se vestir que diz de você e
que se expressa por você.
E que admirável é deixar de realizar pelos outros e
ter coragem de realizar por si mesmo. Não é fácil enfrentar os nossos próprios
desejos. Muitas vezes, os desejos que os outros colocam sobre nós são mais fáceis
de alcançar.
E que bom deve ser se sentir livre pra quebrar
padrões. Isso requer uma certa coragem. Não ficar esperando o príncipe
encantado deve ser uma boa maneira de conhecer todos os personagens da
história. Não se preocupar com o peso deve tornar o chocolate ainda mais
saboroso.
É importante que a gente se pergunte sobre aquilo que
tanto criticamos. É preciso. Depois que a gente aprende, acaba se tornando um
excelente exercício de autoconhecimento. É difícil, mas só assim podemos nos
dar conta de que não somos tão diferentes. Há algo de esquisito, de frágil e de
feio em todos nós.
Reconhecer nossas fraquezas às vezes nos faz enxergar
mais longe. Pra isso, é preciso tomar distância das coisas para que elas possam
assumir forma diante dos nossos olhos.
E também aceitar nossos sentimentos mais genuínos.
Ninguém pode sorrir o tempo todo, por mais educado que seja. Estar triste faz
parte da caminhada. É melhor deixar que lágrimas venham ao invés de fazer
esforço para mantê-las na garganta. Foi por estar triste que eu não me
preocupei em ter pessoas à minha volta que poderiam censurar o meu riso. É
quando nos permitimos ser frágeis que alguma coisa da nossa infância pode vir
nos lembrar de que sorrir só é bom quando é de verdade.
E que não há nada melhor na vida que ser surpreendido
com um pedaço de nós mesmos que há tempos estava esquecido.
Depois do desenho dos Flintstones, eu saí do avião um
pouco mais forte pra comer o “arroz e feijão” que me esperava aqui fora.